O Porte de Drogas e a Repressão Estatal – O Direito à Privacidade e a Constitucionalidade Da Lei 11.343
TEXTO I
O debate sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal é constantemente reduzido à polarização entre proibição e legalização, de sorte que importantes questões são ignoradas.
O universo da linguagem jurídica está pautado numa malha sígnica peculiar (ANDRADE, 2014, p. 37), o que nos exige um cuidado maior com os vocábulos empregados. Por isso, mostra-se relevante para o nosso estudo analisar alguns conceitos que gravitam em torno das políticas regulatórias sobre drogas, a saber: proibição, despenalização e descriminalização.
Para tratar desses conceitos, vamos recorrer às definições apresentadas no voto do Ministro Gilmar Mendes no julgamento do Recurso Extraordinário nº 635.659[1].
Proibir, no âmbito da política de drogas, significa estabelecer sanções criminais em relação à produção, distribuição e posse de certas drogas para fins não medicinais ou científicos (RE. n. 635.659, 2015, p. 14).
Em posição menos rígida, tem-se a despenalização, considerada como a exclusão da pena privativa de liberdade em relação a condutas de posse para uso pessoal, mas sem afastá-las do campo da criminalização (RE. n. 635.659, 2015, p. 15). É esse o modelo adotado pelo art. 28 da Lei 11.343/2006, não obstante a intensa discussão em sede doutrinária.
Em outro nível na escala das políticas adotadas, encontramos a descriminalização, considerada como a exclusão de sanções criminais em relação à posse de drogas para uso pessoal (RE. n. 635.659, 2015, p. 15). Convém destacar que embora a conduta deixe de ser crime, não há uma legalização, visto que ainda continua, em certas circunstâncias, sendo repreendida por meio de medidas administrativas. Aqui, desvencilhar-nos de um grande erro, que é tratar ambos os conceitos como sinônimos.
Interessante consignar que ainda há uma grande discussão entre os juristas acerca da natureza jurídica do art. 28 da Lei 11.343/2006, sendo que alguns autores afirmam que houve descriminalização, em razão da impossibilidade de imposição de pena privativa de liberdade. Em sentido contrário, encontra-se a lição de Fernando Capez:
Entendemos, no entanto, que não houve a descriminalização da conduta. O fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e às penas (Capítulo III); além do que as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do art. 48, § 1º, da nova Lei). (CAPEZ, 2011, p. 76)
Nesse sentido, Gustavo Senna Miranda também defende a inexistência de descriminalização, porém afasta o entendimento de que o art. 28 da Lei de Drogas possui natureza de crime, considerando-o, então, contravenção penal. Em síntese, afirma o autor que “estamos diante de uma nova contravenção penal, sendo caso de novatio legis in mellius, porém, sem que tenha a conduta perdido o caráter de infração penal, não havendo, assim, em que se falar em abolitio criminis” (MIRANDA, 2006, p. 109).
À luz do esclarecimento conceitual delineado, já está assentada a noção de que a descriminalização não indica uma liberação irrestrita, mas sim o primeiro passo para a adoção de práticas que visam mitigar as consequências negativas para o usuário. Para tanto, é necessário rever a repressão historicamente emplacada pelo Poder Público, que enxerga na droga a explicação de todos os problemas. De acordo com Richard Bucher e Sandra R.M. Oliveira (1994):
Opor-se a esta visão reducionista não significa, no entanto, entregar-se à apologia do consumo de substâncias psicoativas, mas tão somente defender uma análise objetiva e contextualizada da situação das drogas em uma determinada sociedade [...] Abordar a "questão das drogas" no enfoque combativo citado significa, ainda, não tratá-la como realidade a ser investigada, mas sim, transformá-la em mito fabricado para cumprir determinadas funções sociais. (BUCHER; OLIVEIRA, 1994, p. 137-138).
Assim sendo, ainda que esteja arraigado na cultura brasileira, o discurso proibicionista precisa ser superado por meio de um deslocamento paradigmático da política de drogas do campo penal para o da saúde pública, preconizando práticas fomentadoras de redução e de prevenção de danos.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76099/des-criminalizacao-do-porte-de-drogas-para-consumo-pessoal-no-brasil
Com base nas informações dos textos e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-argumentativo, de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:
O Porte de Drogas e a Repressão Estatal – O Direito à Privacidade e a Constitucionalidade Da Lei 11.343